No Gueto de Lodz

Henry Nekrycz (Ben Abraham) nasceu em Lodz em 1924. Ele não foi criado como um judeu ortodoxo, embora seu avô fosse o diretor de uma das maiores sinagogas da cidade. Seus pais não eram estritamente ortodoxos, então diferentemente de seu primo Moniek, ele não usava “kaftan com tzitzit” ou “pejelech”. Sua família era proprietária do prédio onde moravam, em um apartamento com dois quartos.

Lodz_gueto
Rua no Gueto de Lodz. (Pintura a óleo).

Ele tinha 14 anos quando a guerra alcançou sua cidade natal. Em 1º de setembro de 1939, os alemães bombardearam um prédio próximo ao prédio em que a família morava. Em 6 de setembro, Ben Abraham viu o pânico tomar conta de Lodz, pois todos os homens foram convocados para Varsóvia e começaram a deixar a cidade. Ele tentou acompanhar o resto dos homens de sua família rumo à capital. Ao longo da estrada, podia ver multidões de pessoas desesperadas tentando chegar à capital, carros deixados para trás sem combustível, doentes simplesmente abandonados porque não podiam mais continuar, e os mortos que caíam pelo caminho. Ele desistiu de ir para Varsóvia e voltou para Lodz, onde somente mulheres e crianças eram vistas nas ruas.

Ainda antes da queda de Varsóvia, assim que os alemães chegaram a Lodz, Ben Abraham percebeu que os judeus enfrentavam severa perseguição. Eles eram pegos nas ruas e enviados para trabalhos forçados. Os líderes judeus começaram a desaparecer, assim como os artistas, os escritores e os intelectuais. Os poloneses de origem alemã invadiam as casas dos judeus, saqueavam seus bens e expulsavam seus moradores.

Em 26 de setembro, Varsóvia caiu para a Alemanha e os poloneses, apesar de serem inimigos dos alemães, uniam-se a estes na perseguição contra os judeus. Algum tempo depois, certo dia seu pai chegou em casa ferido. Ele tinha sido espancado por um grupo de alemães que estavam morando na vizinhança.

Em outubro, ele ouviu os primeiros rumores da criação de um gueto. Os judeus seriam transferidos para o bairro mais sujo de Lodz, Baluty, de onde a população polonesa seria deportada para a Polônia central ocupada. Enquanto a perseguição se intensificava, ele testemunhou as leis de Nuremberg sendo postas em prática: os judeus eram proibidos de guardar os seus dias santos e as sinagogas eram queimadas.

Em 15 de outubro, a família de Ben Abraham foi expulsa de seu lar e seus bens foram confiscados pela Gestapo. Eles foram deportados para o gueto, de acordo com o plano alemão de completar a evacuação de todos os judeus em três meses. Mas um dia, vários judeus foram executados em praça pública, então, no dia seguinte, todos os demais judeus fugiram para o gueto.

Quando o inverno chegou, ele, seus pais, seu avô e seu tio estavam vivendo no gueto superlotado. O resto da família havia fugido para outra cidade. Eles não tinham madeira, e a pouca água que tinham ficava congelada dentro do balde.

Em 1º de maio de 1940, o gueto foi selado. Como ele não podia sair do gueto, conseguia ver o bonde que cruzava Lodz por detrás de uma cerca de arame farpado. Havia uma pontilhão que passava por cima daquela rua, ligando as duas partes do gueto. Muitas vezes, ele viu os alemães atirando nas pessoas que andavam sobre os pontilhões, apenas para praticar tiro ao alvo. Ele também via os idosos e os doentes que tinham enorme dificuldade para subir todos aqueles degraus.

Lodz foi incorporada ao Reich e seu nome passou a ser “Litzmannstadt”, em homenagem ao general alemão que havia conquistado a cidade na primeira guerra mundial.

Como a fome aumentava no gueto, ele conseguiu sair do gueto através de um buraco na cerca para procurar por um alemão que devia algum dinheiro ao seu avô. Ele saiu do gueto mais algumas vezes até que quase foi pego e seus pais não o deixaram mais sair.

Mulheres na cerca
Mulher e crianças perto de uma cerca no Gueto de Lodz. (Pintura a óleo).

No verão, começaram a funcionar no gueto as primeiras escolas, e Ben Abraham foi matriculado numa escola para serralheiros. Ele não aprendeu o ofício, mas suas mãos tornaram-se muito resistentes e capazes de realizar qualquer trabalho manual. Por essa mesma época, ele começou uma pequena horta de batatas, rabanetes, alface e salsinha. Também plantava cenoura, beterraba e nabo.

Naquela época, começou a surgir uma nova aristocracia no gueto, o que provocou uma revolta entre os outros judeus. A polícia judia foi reforçada depois do incidente e os “Sondercomando”, que era uma espécie de pelotão especial, fazia buscas de casa em casa tentando encontrar qualquer coisa de valor que pudessem confiscar. A “Krypo”, polícia especial alemã, também procurava os pertences dos judeus e torturava aqueles que acreditava estarem escondendo alguma coisa. Uma nova moeda foi criada para o gueto, o “Rumki”, e os judeus foram proibidos de possuir qualquer dinheiro alemão, sob pena de morte. Em 1940, as primeiras fábricas de uniformes para soldados foram instaladas no gueto mas o protecionismo presidia a escolha dos trabalhadores.

No inverno, em meio à miséria e fome reinantes, o gueto recebia batatas e legumes em troca de ouro, prata e dólares. Rumkowski, o presidente do gueto, não quis distribuir tudo imediatamente, mas o frio era tanto que as batatas ficaram congeladas e não podiam mais ser comidas. A ração que uma pessoa podia receber era um pouco de “latques” (um tipo de bolo feito de batata congelada), 200 gramas de pão e dez gramas de açúcar. Uma vez por mês eles também recebiam 100 gramas de carne de cavalo. Enquanto isso, o gueto se tornava cada vez mais sujo e infestado de piolhos. A população do gueto continuava a aumentar, com a chegada de judeus deportados da Alemanha e da Tchecoslováquia. Nessa altura, ele finalmente arrumou um emprego como servente em uma marcenaria. Como apontado acima, o gueto tinha sua própria moeda, cujo nome – rumki – foi escolhido em função do nome do presidente do gueto, o senhor Rumkowski. Ben Abraham passou então a receber um salário de dois Rumkis por dia. Com esse dinheiro, conseguia comprar as rações.

IMG_3591
Crianças tomando sopa no Gueto de Lodz. (Pintura a óleo).

Na primavera seguinte, um de seus tios tornou-se encarregado de organizar uma usina metalúrgica, assim ele conseguiu um emprego no setor onde as caldeiras de água era feitas. Porém, logo ficou intoxicado com o ácido clorídrico que usava para branquear as caldeiras, então arrumou outro emprego, desse vez como ajudante de soldador. No entanto, esse novo trabalho também não funcionou, pois em pouco tempo os olhos dele foram afetados pelas faíscas da solda. Ficou apavorado, pensando ter ficado cego, e depois disso disse para o gerente da fábrica que queria tornar-se um mecânico. Ele foi transferido para uma outra oficina, onde o gerente logo descobriu que Ben Abraham não sabia nada sobre aquele tipo de trabalho, mas mesmo assim permitiu que ele ficasse. Não fosse pela fome, ele poderia dizer que era feliz de ter um emprego com o qual podia comprar rações para sua família.

Em 22 de junho, chegaram notícias de que a Rússia havia entrado na guerra, o que trouxe aos prisioneiros do gueto uma esperança de que ela acabaria logo. Mas os alemães continuavam avançado e as esperanças se esvaneciam. Nessa época, novas fábricas foram instaladas no gueto e seus pais arrumaram empregos. Seu pai foi trabalhar na construção de uma estrada e sua mãe arrumou um emprego de costureira. Porém, como os preços das rações sempre subiam, o fato de que a família estava ganhando mais dinheiro não ajudava muito.

No inverno de 1942, seu pai conseguiu um emprego melhor em uma marcenaria, onde não mais sentia frio. Mas, um dia, ele chegou em casa muito triste, porque dois judeus haviam sido enforcados em uma praça do gueto. Seu crime foi ter saído do gueto para comprar batatas.

Na primavera de 1942, ele foi transferido para uma fábrica de uniformes com 500 máquinas de costura, onde aprendeu a consertá-las. Por essa época, testemunhou as primeiras deportações de doentes para fora do gueto. Eles eram tirados de seus leitos no hospital e jogados em caminhões com crueldade. Ademais, ao mesmo tempo em que a maior parte da população sofria com a fome e a pobreza, os policiais, altos funcionários e gerentes de fábricas tinham comida e o direito de alugar os lotes ainda disponíveis.

A família foi então expulsa da casa em que estavam vivendo para dar lugar a um “Sondercomando”. Eles se mudaram para uma moradia bem menor, que dividiam com outra família.

Em setembro de 1942, ele viu Rumkowski pronunciar um discurso à multidão. Dizia que os alemães estavam exigindo vinte mil judeus para serem deportados, então seria melhor se os velhos e os doentes se apresentassem voluntariamente. As crianças também deveriam ser entregues por suas mães, dizia ele, pois teriam melhores chances de sobreviver fora do gueto.

Como ninguém se apresentou e as mães atacavam os policiais alemães em busca de seus filhos com água quente, as tropas de assalto da SS decretaram estado de sítio, de modo que ninguém podia sair de casa. Os soldados vinham e cercavam um quarteirão após o outro, exigindo que todos saíssem para a rua. Os velhos, os doentes e as crianças eram levados em caminhões.

Lodz_jovem com torah
Jovem correndo com a Torá. Gueto de Lodz. (Pintura a óleo).

Seu pai ficou então muito doente, morrendo poucos dias depois, de modo que ele ficou somente com a mãe. No dia seguinte, como ouviram que a SS cercaria o quarteirão onde viviam, decidiram fugir para um quarteirão mais distante, e encontraram uma mulher que permitiu que ficassem com ela. Ela havia perdido todos os membros de sua família.

A cota de vinte mil judeus foi completada naquela semana. Os judeus deportados foram assassinados em Chelmno.

A despeito do fato de que havia menos pessoas no gueto, os alemães o demoliam pouco a pouco, com o pretexto de que estavam construindo uma estrada para Moscou. Ele e a mãe receberam ordens para se mudar do quarto que ocupavam. Sua mãe encontrou um quarto menor para onde conseguiram se mudar depois de pagar 200 marcos e um pão de dois quilos. A mãe conseguiu esse dinheiro vendendo sua cota de açúcar e economizando o pão e suas próprias rações por duas semanas. As condições no novo cômodo eram terríveis, mas apesar disso ele reuniu suas forças para trabalhar todos os dias, consertando máquinas de costura.

Então, Ben Abraham adoeceu: contraiu febre tifoide e recuperou-se após 21 dias, devido em parte à ajuda de uma médica judia que vivia no mesmo prédio. Quando ele voltou para a fábrica, descobriu que tinha sido dado como morto e o gerente não queria admiti-lo de volta, porque seu nome não estava mais na lista. Depois de muita discussão, sua situação foi resolvida e ele pôde voltar a trabalhar. Foi transferido para duas outras fábricas, e na segunda tinha de passar horas deitado no chão a fim de construir suportes para as máquinas. Como já era inverno, o chão era muito frio e ele sentiu que logo ficaria doente, o que não tardou a acontecer: novamente caiu enfermo, dessa vez com pleurite.

Depois de ser aconselhada pela médica judia, sua mãe conseguiu vender uma estola de raposa que havia conseguido esconder dos alemães e comprou cinco injeções de cálcio. Também encontrou um enfermeiro para aplicar as injeções nele. Durante esse tempo todo, o gerente da fábrica onde trabalhava lhe enviava sua sopa diária.

Em março, voltou a trabalhar. O gerente não havia reportado a doença aos alemães, embora Ben Abraham tivesse estado ausente por cinco meses, porque os alemães estavam deportando todos os doentes. Durante esse tempo, também recebeu seu salário normalmente.

Continuou a trabalhar no conserto de máquinas de costura, tornando-se reconhecido por sua habilidade. Como essa função era crucial para a sobrevivência do gueto como sendo economicamente útil para os alemães, essa habilidade lhe trouxe maior status na fábrica. Seu salário aumentou e ele agora conseguia rações melhores para si próprio e para sua mãe.

Ao mesmo tempo, enquanto os russos avançavam e os aliados chegavam à Normandia, os alemães ordenavam que toda a população do gueto fosse deportada para a Alemanha. O comissário do gueto lhe disse que o “Fuhrer” precisava deles para produzir uniformes lá. A essa altura, aqueles que ainda estavam no gueto nada sabiam sobre Treblinka, Majdanek ou outros campos de extermínio.

Ele e a mãe foram convocados a se apresentar para a deportação, mas decidiram se esconder juntos até que os russos chegassem. O quarteirão onde viviam foi cercado por oficiais da SS pesadamente armados, que vasculharam o apartamento, no entanto, não conseguiram descobrir seu esconderijo.

Como os policiais continuavam a fazer buscas em quarteirão após quarteirão com o intuito de deportar todos os judeus, ele e a mãe decidiram ir para a fábrica, onde prepararam um esconderijo para o caso de a SS aparecer. Outros empregados da fábrica também estavam escondidos ali com suas famílias, 26 pessoas ao todo. Porém, certo dia, a SS chegou e enganou o gerente da fábrica, o qual disse a todos que somente precisariam se apresentar e seriam liberados em seguida. Contudo, era uma armadilha: todos foram colocados em bondes e levados para uma via férrea, onde foram colocados em vagões de carga trancados pelo lado de fora. Os oficiais da SS disseram a eles que iriam à Alemanha para trabalhar.

Auchwitz_atual
Entrada do campo de concentração de Auschwitz. (Pintura a óleo).

Depois de algum tempo, chegaram ao que parecia ser uma estação de trem. Ben Abraham podia ver arame farpado e muitos soldados carregando armas pesadas, e homens carecas usando uniformes listrados.
Eles haviam acabado de chegar a Auschwitz.

 

Continue Lendo: Duas Semanas em Auschwitz.