Miriam Nekrycz – Finalmente em Israel

Novamente Miriam cantaria o Hatikva a bordo de um navio, mas dessa vez o hino seria cantado em triunfo. Poucos dias depois de sua chegada, seus tios paternos Moshé e Mordechai chegaram cedo de manhã para buscá-la. Embora ela tivesse prometido a si própria que somente teria sorrisos para eles, desabou em lágrimas.

Como os dois tios eram solteiros e moravam sozinhos, Miriam foi morar com uma das primas de seu pai, Tia Mania, que a recebeu amorosamente. Agora ela se sentia em casa, em meio a uma família grande e unidade, cujos membros faziam o melhor que podiam para ajudar uns aos outros e para passar algum tempo juntos, mesmo em ocasiões simples.

Seus tios vinham com frequência pegá-la para levá-la para passear em Tel Aviv, onde ela pôde ver a prosperidade e a modernidade que não havia visto na Europa. Eles também a levaram para conhecer seus parentes que viviam no Kibutz Ein Hashofet, que havia sido fundado nos anos 1930 nas áridas montanhas de Efraim por grupos de judeus dos Estados Unidos e da Europa Oriental.

A visita ao kibutz deixou impressões muito boas sobre Miriam. Seus priminhos dormiam em quartos coletivos bastante simples, sob o cuidado de monitores. A educação deles enfatizava a vida no campo e, desde pequenos, eles podiam reconhecer cada flor pelo nome. Os campos eram verdejantes, os pomares estavam carregados de frutas, os estábulos eram limpos e aparelhados com equipamentos modernos. Os adultos trabalhavam no campo durante o dia e, à tardinha, brincavam com as crianças na grama, no centro do kibutz. As reuniões administrativas aconteciam periodicamente e tinham a participação de todos os membros adultos.

De volta a Tel Aviv, enquanto Miriam esforçava-se para acompanhar seus novos colegas de classe, a UNESCOP recomendou o término do mandato britânico sobre a Palestina. Miriam e seus parentes ouviram pelo rádio a votação da Resolução de Partilha na ONU, em 29 de novembro. Cada voto a favor provocava explosões de alegria nas ruas. Quando o número dos votos favoráveis ultrapassou dois terços, a alegria das pessoas era indescritível. As pessoas cantavam e dançavam nas ruas.

Mas as comemorações não duraram muito, pois os árabes não aceitaram o Plano de Partilha. A manhã seguinte trouxe os primeiros tiros e as primeiras vítimas. Começaram os incêndios e saques em Jerusalém e outras cidades. Miriam ficou perplexa com a onda de terror que tinha eclodido contra a população judaica de 650 mil pessoas, a qual não estava preparada para uma guerra. Os árabes atacavam os comboios de suprimentos que iam para Jerusalém. Atacavam também os kibutzim isolados e as ruas de Tel Aviv que ficavam próximas ao bairro árabe Jaffo. Tanques árabes vinham contra as colônias agrícolas no Negev e na Galileia. Contudo, os britânicos, que ainda não haviam terminado seu mandato, continuavam a prender os combatentes da Haganá e a confiscar suas armas, enquanto diariamente os árabes cruzavam as fronteiras trazendo armas consigo.

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Soldado da Haganá com tatuagem de Auschwitz. (Pintura a óleo).

Como o fim do mandato britânico aproximava-se, os maapilim aprisionados em Chipre começaram a ser libertados. Miriam finalmente pôde rever seus amigos do campo de Chipre e também reencontrar Judith, que tinha vindo de lá com seu marido e o bebezinho do casal, nascido no campo. Durante a guerra, Miriam participou de várias campanhas para angariar roupas, cobertores e utensílios para os novos imigrantes, pois era inverno. Na escola, ela e suas colegas tinham permissão para tricotar agasalhos para os combatentes da Haganá durante algumas das aulas.

A guerra intensificava-se enquanto os britânicos se preparavam para partir. Jerusalém foi cercada e bombardeada; o Hospital Hadassa e a Universidade Hebraica ficaram isolados no Monte Scopus. Um dia antes da Proclamação da Independência, as quatro colônias de Gush Etzion nas montanhas da Judeia foram atacadas e conquistadas pela Legião Árabe, que tinha sido treinada e abastecida pelos britânicos.

Na tarde de 14 de maio de 1948, Miriam ouviu pelo rádio as vigorosas palavras pronunciadas por David Ben Gurion. Na manhã seguinte, Harry Truman foi o primeiro dignatário a reconhecer o Estado de Israel, mas os árabes invadiram o território israelense em todas as frentes. Os tanques egípcios avançavam pelo sul, rumo a Tel Aviv. Os sírios e libaneses atacavam o norte. Os iraquianos e a Legião Árabe atacavam o centro do país, enquanto a força aérea egípcia bombardeava as áreas residenciais.

No entanto, a resistência ao inimigo foi forte e decisiva. Enquanto os combatentes nos kibutzim do Negev repeliam os egípcios, os colonos do norte lutavam contra os sírios. A cidade antiga de Jerusalém, entretanto, caiu nas mãos dos árabes, após meses de cerco e privações. Os defensores da cidade foram presos; as mulheres e crianças foram enviadas à parte moderna da cidade. Foram dias de angústia também em Tel Aviv, onde Miriam ouviu de seu quintal o barulho das bombas que os egípcios lançaram na estação rodoviária central, provocando dezenas de mortes civis.

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Imigrantes do campo de concentração de Buchenwald, 1945. (Pintura a óleo).

Durante a primeira trégua, o país recebeu armas, munição e novos imigrantes, muitos dos quais se alistaram no novo exército assim que chegaram. Os árabes atacaram novamente antes do fim da trégua, mas agora Israel estava mais bem preparado, com o aumento do número de combatentes, armas e com a aquisição de aviões da Tchecoslováquia. Os britânicos tiveram que solicitar um novo cessar-fogo para impedir a derrota do povo árabe, ainda que estes também tivessem melhorado suas condições.

Quando parecia que o armistício parecia definido, Chaim Weizmann foi designado primeiro Presidente. A recepção eufórica por parte da população israelense somente foi equiparada por seu entusiasmo durante o primeiro Yom Haatzmaut (Dia da Independência), quando os acordos em separado tinham sido assinados entre Israel e os outros seis países beligerantes.

Durante os meses seguintes, Miriam conseguiu tirar notas boas na escola. Como a guerra tinha terminado oficialmente, mas o estado de guerra continuava a se fazer sentir, ela não queria ser um fardo para a família durante aqueles meses de privação. Decidiu tornar-se uma enfermeira, e assim prestou os exames e foi admitida na escola do Hospital Beilinson em Tel Aviv, onde estudou e trabalhou como enfermeira.

O Hospital Beilinson era o mais importante de Israel naquela época, pois o Hospital Hadassa tinha sido evacuado e o acesso a ele estava bloqueado pela Legião Jordaniana. O hospital estava sempre lotado, devido à sua importância e à constante chegada de novos imigrantes, os quais faziam com que seus corredores soassem como a torre de Babel.

Nos meses que se seguiram, os judeus dos países árabes começaram a chegar. Tiveram de deixar seus lares e seus bens às pressas e tinham muita dificuldade em se adaptar à nova vida em Israel. Era comum para Miriam atender pacientes de origens diferentes no mesmo quarto: europeus, africanos, asiáticos, norte-americanos. Mesmo falando línguas diferentes, eram todos judeus.

 

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