Miriam Nekrycz – Refugiada na Alemanha

No inverno de 1945 para 1946, surgiu uma possibilidade para Miriam juntar-se a um grupo de crianças e jovens que fariam a travessia para a Alemanha Ocidental. Como Berlim estava localizada no meio da zona russa, somente poderiam deixar o campo de Schlachtensee com autorização das autoridades norte-americanas. Rosa e Judith deram a ela todo o incentivo para partir, mas Miriam ficou triste por novamente ter de se separar de pessoas tão queridas.

displaced boy
Menino esperando para ir para campo de refugiados. (Pintura a óleo).

Havia cerca de 30 crianças órfãs no grupo, além de um casal de sobreviventes da cidade de Lodz. Aquelas crianças vinham de diferentes países europeus, mas eram unidas pelo trágico passado que tinham em comum. Muitas das crianças tinham estado em campos de concentração e ainda viviam como se tivessem de lutar por um pedaço de pão para sobreviver; outras viviam assustadas e tristes, e sempre tinham medo de tudo. Cuidar daquelas crianças não era tarefa fácil, mas Helen e Rudolf Loeffel tinham amor, bondade e perseverança infinitos, e conseguiam proporcionar às crianças uma atmosfera familiar.

Auxiliados pelas instituições judaicas em Berlim, o grupo conseguiu obter permissão para viajar de trem para Munique. Da estação de trem, foram levados para um campo de refugiados em Aschau, uma cidade que não havia sido bombardeada durante a guerra e cujos habitantes alegavam jamais ter sabido nada a respeito de campos de concentração e extermínio, ou sobre o genocídio de milhões de judeus.

O casal Loeffel era um grande exemplo de dignidade humana. Helen tinha estudado em Sorbonne; Rodolf tinha sido um advogado com ótima reputação. Ambos fugiram de Lodz antes da ocupação nazista e viviam separados na zona ariana de Varsóvia. Helen falava polonês impecavelmente e tinha aparência ariana, assim conseguiu um emprego como governanta e professora de francês na casa de uma família de poloneses ricos. O marido também conseguiu esconder-se, e mais tarde participou do levante de Varsóvia contra os nazistas. O casal conseguiu reunir-se depois da guerra e decidiu dedicar suas vidas a cuidar de crianças órfãs. Gastavam dias e noites consolando seus “filhos” tristes e feridos, nos quais tentavam alimentar a esperança por um futuro melhor.

Havia outros grupos de jovens vivendo no campo, a maioria dos quais era afiliada a partidos sionistas. Havia também um médico no campo, que vinha com frequência para cuidar da saúde deles. O médico gostava de falar sobre sionismo e política do Oriente Médio, discutindo a política britânica e o interesse das potências mundiais pelo petróleo.

Algum tempo depois que Miriam mudou-se para o campo, Babcia e a família conseguiram chegar à Alemanha Ocidental, e ficaram em um campo de refugiados em Salzheim, cidade próxima a Frankfurt. Ela foi visitá-los e descobriu que todos eles estavam tão ansiosos para partir da Europa quanto Miriam.

A comida era pouca no campo de refugiados de Aschau. Os jovens sempre estavam com fome, especialmente os rapazes. Era uma situação difícil de entender, considerando que o campo era mantido pela UNRRA. Mas um dia chegou uma comissão de norte-americanos, a qual descobriu que eles estavam sendo roubados, pois os suprimentos que o campo recebia em forma de donativos eram desviados e vendidos no mercado negro. Depois desse episódio, as refeições melhoraram. Enquanto isso, Miriam gostava de ajudar a limpar o quarto onde dormia e também costurar cortinas, colocando em prática as habilidades que Stefcia lhe havia ensinado.

Miriam havia feito um cadastro em vários escritórios judaicos para que localizassem seus parentes em outros países. Havia um ano que ela havia feito o cadastro pela primeira vez no escritório de Lodz, mas não tinha recebido nenhuma resposta. Era assim bastante frustrante ver outras crianças deixarem o campo para irem viver com suas famílias, como, por exemplo, sua amiga Esther, que foi encontrada pelo pai e deixou o campo poucos dias depois.

reunification
A Alegria da Reunificação. (Giz de cera).

De qualquer maneira, Miriam estava absolutamente decidida a viver em Eretz Israel. O amor por aquela terra havia tomado conta de seu coração, enquanto aprendia sobre os dois mil anos de dispersão de seu povo.

Um dia, quando o campo estava preparando-se para receber duas visitas muito importantes – um poeta e uma cantora – alguém a chamou dizendo que havia uma carta da Palestina para ela. Ela ficou tão feliz por receber a carta que nem estava presente quando os visitantes chegaram, ficava lendo e relendo a carta várias vezes. Ela não estava mais sozinha! Agora tinha uma família e eles estavam preocupados com ela; eles a amavam e queriam que ela fosse vê-los o mais depressa possível. Seus tios escreviam que outros membros da família nos Estados Unidos e no Brasil já tinham sido informados que ela estava no campo, de modo que logo ela receberia notícias deles também.

Jamais em sua vida havia estado tão feliz. Poucos dias depois, chegou de Nova York uma carta de Tia Miriam, irmã de seu pai. Ela queria que Miriam fosse morar com eles nos Estados Unidos.

Tia Ana, irmã de sua irmã, mandou uma carta do Brasil dizendo que estava pronta para vir até a Alemanha buscá-la. Mas Miriam respondeu que, embora fosse muito grata pelo convite, tinha a intenção de viver em Eretz Israel, explicando as razões pelas quais havia tomado a decisão de viver em sua pátria.

A próxima coisa que Miriam fez foi viajar para o campo de Salzheim, onde Babcia estava vivendo com a família. Eles lhe contaram que também tinham recebido uma carta de parentes vivendo na Argentina. Primeiramente tinham a intenção de ir para Eretz Israel, mas por causa do bloqueio britânico, o qual tornava a Aliá quase impossível para uma senhora idosa como Babcia, eles decidiram ir para a Argentina.

Judith também havia encontrado o irmão, que tinha sido liberado do exército soviético, e agora estava vivendo com ele em um campo de refugiados perto de Munich. Ali conheceu um rapaz de quem ficou noiva, e logo se casaram.

Essa visita foi muito gratificante para Miriam. Ela ficou muito feliz de testemunhar a alegria e felicidade experimentados por seus queridos. Para sempre seria grata a Rosa e Judith, que haviam dado um novo significado à sua vida: graças a elas tinha podido encontrar sua família no além-mar.

Nesse meio tempo, sua querida amiga Tereza adoeceu. Depois de meses de agonia, os médicos descobriram que ela tinha um tumor no cérebro. Nas noites de vigília no hospital ao lado da cama de sua amiga, Miriam chegou a pensar que, se tivesse oportunidade de ir para Eretz Israel e estudar, gostaria de tornar-se uma enfermeira para que pudesse cuidar dos doentes.

 

Continuar lendo: Deportada para Chipre.