Miriam Nekrycz – Deportada para Chipre

No campo de Aschau, os grupos de jovens refugiados estavam sempre com a expectativa de ir para algum outro lugar, quer fosse Eretz Israel, ou para outros países fora da Europa onde ainda tinham parentes. Ir para Eretz Israel era difícil – a pessoa tinha que se cadastrar na Aliá (imigração para Israel), mas certificados liberados pelos britânicos eram escassos. A outra alternativa era a Aliá B, isto é, a imigração clandestina, a qual era muito arriscada pois os britânicos interceptavam as pequenas embarcações ilegais e enviavam os maapilim (imigrantes ilegais) para a ilha de Chipre. Crianças dificilmente tinham permissão para ir para Eretz Israel dessa forma.

Exodus ship. (Oil painting).
O navio Exodus, 1947. (Pintura a óleo).

Depois que Miriam recebeu a carta de seus tios, queria ir para Eretz Israel o mais rápido possível. Então foi até o escritório do Sr. Naum Goldmann, presidente do Conselho Judaico Mundial em Munique, e cadastrou-se na Aliá B juntamente com os outros jovens refugiados de seu grupo.

Quando o dia de partir finalmente chegou, tomaram um trem para a França e viajaram até Marselha, passando algum tempo em uma casa de frente para o mar. Como seus monitores haviam ficado no campo, eles se juntaram ao grupo “Bnei Akiva”, que se reunia todos os dias para cantar louvores ao Todo-Poderoso e guardava o sábado. Miriam não tinha sido criada como ortodoxa, mas sentia que a observância dos rituais religiosos judaicos era algo natural. Ela decidiu jejuar duas vezes por semana para que sua amiga Tereza se recuperasse e pudesse também chegar a salvo em Israel.

Dois meses se passaram e a vez de o grupo embarcar não chegava. Mudaram-se para outra casa nas montanhas, ainda perto de Marselha. Veio o Purim, e nem sinal de embarcarem. Mas o dia tão esperado chegou um dia antes da Pessach (Páscoa Judaica), e eles receberam um pacotinho de matzot e uma garrafa, para ser cheia de água durante a viagem. Disseram a eles, porém, que as garrafas poderiam ser usadas como meio de defesa contra os britânicos, caso necessário…

Desceram a montanha à noite, cada um levando seu pacote de matzot e sua garrafa. Como era o dia antes da Pessach, a partida da Europa assemelhava-se à partida do Egito. Assim como seus antepassados, estavam deixando para trás uma terra de sofrimento e rumando para a liberdade em Eretz Israel por caminhos tortuosos. Aconteceu como no Salmo 126: “”Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltavam a Sião, estávamos como que sonhando”. Nem lhes passava pela cabeça as dificuldades ainda esperando por eles.

O navio era velho e frágil, com pouco espaço para acomodar tantas pessoas. Quando embarcaram, outros maapilim já tinham ocupado os beliches disponíveis nos três pavimentos do navio, de modo que Miriam e seus amigos tiveram que ir para o porão mais baixo. O porão estava tão cheio que quando ela subia na cama parecia que estava entrando em uma gaveta. O calor e o odor eram insuportáveis, mas ninguém reclamava. Eles estavam indo para Eretz Israel!

Os navios usados na Aliá B tinham sido adquiridos ilegalmente, com grandes sacrifícios. Muitos deles estavam velhos e danificados, tendo sido reparados às pressas e adaptados para acomodar um número bem maior de pessoas do que sua capacidade original permitia. A tripulação era composta de aventureiros, muitos deles ganhando muito dinheiro com as viagens, mas também havia aqueles que faziam o trabalho por idealismo, apresentando-se voluntariamente para colaborar com a causa.

O navio em que viajavam havia sido batizado como “Theodor Herzl” e levava mais de 2.500 pessoas. Para aqueles que estavam no porão, as circunstâncias eram especialmente difíceis, pois o navio começou a oscilar assim que deixou o porto. Como muitas das moças ficaram enjoadas, tinham que se revezar para subir e respirar ar puro, pois por razões de segurança não podiam ir todas ao mesmo tempo.

Miriam não comeu a comida que foi distribuída no navio porque era Pessach e a comida não era casher suficiente. Além disso, passou o tempo todo muito enjoada, sem forças nem para levantar da cama. Um de seus amigos lhe trazia leite e a ajudava a subir os degraus escorregadios para que pudesse tomar um pouco de ar fresco.

Ainda assim, era sustentada pelo pensamento de que o navio não seria descoberto pelos aviões britânicos. Era mais seguro durante a noite, assim eles podiam se reunir no convés, ocupando todo o espaço disponível, como se fossem uma árvore apinhada de pássaros. O mar estava calmo o tempo todo, contrariamente ao que se esperava quando se aproximasse de Creta.

Porém, certo dia aviões sobrevoaram o navio e todos receberam ordens para permanecer nos porões. Como somente a tripulação havia permanecido no convés e o navio estava camuflado, pensaram que não haviam sido descobertos, pois os aviões não voltaram. Mas à noite, dois destróieres britânicos se aproximaram e abalroaram o pequeno navio de propósito, danificando-o seriamente. Como o choque foi muito forte, todos os maapilim correram para o convés.

Os oficiais britânicos gritaram em alto-falantes: todos deveriam permanecer calmos e seguir suas ordens. Mas alguém começou a cantar o Hativka, e todos os outros seguiram em coro, louvando sua pátria e protestando aqueles que os impediam de alcançá-la. Quando o hino acabou, em um gesto de indignação, uma chuva de garrafas caiu sobre o navio inimigo. Os britânicos imediatamente começaram a atirar, matando três pessoas e ferindo muitas outras.

Os britânicos vieram a bordo, prenderam os tripulantes e disseram a todos para voltar para seus lugares. Quando Miriam voltou ao porão, estava cheio de água. A oscilação do navio produzia ondas dentro do porão, e parecia que ele iria afundar. Como o nível de água não parava de subir, os britânicos permitiram que eles voltassem ao convés.

O navio foi atracado no porto de Haifa, no entanto, os passageiros não tiveram permissão de desembarcar. Enquanto Miriam olhava para as luzes de Haifa, pôde via uma multidão de judeus protestando, gritando e cantando. Mas, apesar da grande frustração de não ter permissão para pisar o solo sagrado, nada foi tão doloroso quanto ver os três maapilim mortos sendo retirados do navio. Para Miriam, era como derramar novas lágrimas, sob novos opressores. No dia seguinte, todos foram transferidos para um navio-prisão que parecia uma gaiola, para que não pudesse pular no mar.

De abril de 1945 a janeiro de 1948, 58 dos 63 navios da Aliá B foram interceptados pela marinha britânica.

Era abril de 1947 e havia mais de 10.000 maapilim detidos em Chipre, esperando os certificados britânicos. Quando o grupo de Miriam chegou, alguns dos imigrantes que haviam estado em campos de concentração entraram em pânico quando viram as cercas, guardas e torres do campo de Chipre.

As condições em Chipe eram difíceis, porém, ainda assim seu grupo de amigos guardava o sábado, estudava hebraico, lia a Torá, e ajudava a cozinhar a comida casher. O campo recebia livros das organizações judaicas e de vez em quando vinha um sionista visitá-los e trazer notícias de Eretz Israel.

Embora eles não tivessem revistas, jornais ou rádios, rapidamente ficaram sabendo da odisseia do navio Exodus. Coincidência ou não, era o dia 9 de Av, a mesma data em que os dois templos de Jerusalém haviam sido destruídos. Naquela noite, no Barracão 65 do campo de Chipre, os jovens acenderam tochas, sentaram-se no chão e repetiram as orações das Lamentações de Jeremias, jurando que jamais se esqueceriam de Jerusalém.

Depois do incidente com o navio Exodus, os britânicos emitiram 500 permissões de imigração para internos do campo de Chipre abaixo de 15 anos. Miriam e os outros que haviam sido escolhidos para a viagem receberam do representante da Agência Judaica uma muda de sabra, para que pudessem replantá-la em Erertz Israel.

 

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